Nos centros urbanos, o som das sirenes de ambulâncias ressoa pelas ruas, casas e apartamentos, como um alerta para que condutores respeitem o código de trânsito e abram caminho.
Em situações de emergência, os profissionais que desafiam tempo e espaço para salvar vidas ainda precisam lidar com obstáculos como desrespeito por parte de motoristas, engarrafamentos e ruas esburacadas. Mesmo com tantos problemas, não é novidade que as ambulâncias fornecem um sistema organizado de cuidados imediatos e eficazes. Entretanto, para quem vive às margens de um rio no coração da Floresta Amazônica e utiliza a extensão das águas como vias de transporte, a ambulância é substituída e, em seu lugar, surgem as chamadas “ambulanchas” – veículos fluviais voltados para o atendimento emergencial em comunidades ribeirinhas.
Ao contrário dos meios de transporte urbanos, quem utiliza uma ambulancha se depara com outras situações. No trajeto do rio até a cidade mais próxima, a natureza fala mais alto: bancos de areia, fortes banzeiros – ondas que se formam nos rios -, tempestades e até a própria época do ano influenciam no trajeto, já que em tempos de seca algumas partes do rio podem ficar totalmente inacessíveis por barco. No interior do Amazonas, ribeirinhos situados em regiões remotas já dispõem desse tipo de serviço fluvial de saúde, principalmente após uma parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a Embaixada da França, que adquiriram oito ambulanchas para atender dezenas de comunidades localizadas em quatro Unidades de Conservação (UCs) do Amazonas: Área de Preservação Ambiental (APA) do Rio Negro, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, RDS Puranga Conquista e RDS do Piranha.
O contexto da pandemia da Covid-19 foi o que impulsionou ações voltadas exclusivamente para a saúde ribeirinha. Vale ressaltar que o Amazonas enfrenta uma situação de calamidade e colapso do sistema de saúde, que chegou primeiro à capital e se disseminou para o interior do estado. Durante o pico de contágio, a FAS se mobilizou para articular estratégias de combate e de minimização dos impactos do vírus nas comunidades, até se consolidar em uma ação conjunta: a “Aliança dos povos indígenas e populações tradicionais e organizações parceiras do Amazonas para o enfrentamento do coronavírus”, ou simplesmente, “Aliança Covid-Amazonas”. A iniciativa reúne 119 parceiros – entre instituições, governos, empresas, organizações da sociedade civil, universidades e outros.
A questão logística tomou protagonismo depois de considerarem as inúmeras dificuldades de deslocamento nas comunidades, levando em conta não apenas os sinais da natureza, mas a falta de uma infraestrutura e comunicação adequadas. Dentre as várias ações previstas na Aliança, uma delas está ligada ao transporte de emergência. A Embaixada da França tem sido uma das principais parceiras, principalmente em relação às doações das ambulanchas – além de outros produtos voltados à ação de combate ao coronavírus, como equipamentos e aparelhos médicos, kits de higiene, combustível emergencial e canoas com motor rabeta, doadas especialmente para agentes comunitários e indígenas de saúde que atuam na região.
Segundo a Superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da FAS, Valcléia Solidade, “as ambulanchas têm um papel essencial nesse contexto, porque o acesso é difícil em muitas dessas comunidades e elas precisam de um transporte adequado para que o paciente chegue mais rápido ao centro urbano mais próximo. É também uma estratégia para minimizar os impactos da Covid-19 e atender situações comuns que ocorrem nesses territórios, como partos, picadas de insetos e animais peçonhentos ou até acidentes domésticos”.
O morador da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Puranga Conquista, Daniel Araújo, presidente do Fórum Permanente em Defesa das Comunidades Ribeirinhas (FOPEC), afirma que as ambulanchas chegam em boa hora, pois a precariedade da saúde nas comunidades é um retrato da realidade local, mesmo antes da Covid-19.
“Quando temos que deslocar um paciente, a gente precisa unir forças, mobilizar a comunidade inteira para tentar um ‘bote’ (canoa) rápido e buscar gasolina de um e de outro para operacionalizar o transporte. Isso muitas vezes sem sinal de celular ou internet. E se não houvesse essa força-tarefa, a pessoa teria que desembolsar em torno de R$ 300 de combustível só para sair da comunidade e chegar a tempo para o atendimento”.