*Folha de São Paulo
Localizado em meio à floresta amazônica, a 725 quilômetros de Manaus, o campo de petróleo de Juruá foi descoberto pela Petrobras em 1978. Mais perto da capital do Amazonas, a cerca de 210 quilômetros, o campo de Azulão foi descoberto também pela estatal, em 1989.
Nenhum dos dois produziu até hoje petróleo ou gás natural. Estavam no portfólio da Petrobras como possíveis alternativas de investimento futuro até que a empresa descobriu o pré-sal e decidiu concentrar suas atenções no litoral do Sudeste, conforme a Folha de São Paulo.
A estatal até tentou manter as concessões na gaveta, mas foi obrigada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) a decidir entre o investimento e a devolução das áreas. Azulão foi vendido à Eneva em 2018, e Juruá, devolvido à agência e concedido à mesma companhia em leilão no dia 4 de dezembro.
Os projetos são vistos como marcos de uma retomada da atividade petrolífera na Amazônia, que anima o setor de petróleo e o governo local, mas gera preocupações entre ambientalistas e lideranças indígenas, pelos possíveis impactos socioambientais.
O Amazonas é hoje o terceiro maior produtor de gás no país, por meio das operações da Petrobras no polo Urucu, conectado a Manaus por um gasoduto de 660 quilômetros cortando rios e floresta. Mas, sem grande atividade exploratória, vem enfrentando queda intensa em suas reservas.
Na última década, segundo dados da ANP, as reservas de petróleo do estado caíram 60%. As de gás natural, principal produto da região, recuaram 47%. Sem novas descobertas e mantendo o ritmo atual de produção, Manaus ficaria sem gás natural em cerca de oito anos.
A queda é resultado tanto da mudança de foco da Petrobras para o pré-sal e quanto das dificuldades no desenvolvimento de jazidas descobertas no início da década em áreas hoje operadas pela russa Rosneft.
A expectativa do setor é que, com as novas concessões, a exploração retome ritmo e consiga não só suprir o esgotamento das reservas já descobertas mas também tirar do papel um antigo projeto para ligar a região de Urucu a Porto-Velho, levando gás natural a Rondônia.
Além de Juruá, a ANP concedeu no leilão de dezembro outros três blocos próximos a Azulão, também arrematados pela Eneva. Foram as primeiras novas áreas concedidas no Amazonas desde 2008.
Entre 2015 e 2019, apenas três poços pioneiros, aqueles em busca de novos reservatórios, foram perfurados no estado, nas áreas da Rosneft, que anunciou em maio o congelamento do projeto, alegando dificuldades financeiras geradas pela pandemia.
Com as novas concessões, a Eneva já prevê dois poços exploratórios em 2022. Além disso, perfurou no ano passado três poços para produzir em Azulão, projeto que ganhará dois novos poços em 2021.
Em evento com investidores no mês passado, a empresa disse que o desenvolvimento de Juruá depende do processo de venda do campo de Urucu, polo produtor da Petrobras na Amazônia, que ela disputa com a 3R Petroleum.
A saída da estatal pode agilizar a solução de um obstáculo logístico ao desenvolvimento tanto de Juruá quando das descobertas da Rosneft, a falta de acesso a mercados consumidores: as áreas estão a cerca de 800 quilômetros de Manaus, em uma região com acesso apenas por via aérea ou por um rio sinuoso, que inviabiliza o transporte por barcaças.
A conexão ao polo de Urucu, que já é ligado a Manaus por gasoduto, esbarrava na má vontade da Petrobras para parcerias. Já a produção em Azulão e próxima a Manaus pode ser escoada por via rodoviária conforme prevê o primeiro projeto de aproveitamento da área, que levará gás até uma térmica em Roraima.
Para o diretor-geral interino da ANP, Raphael Moura, as novas concessões na Amazônia podem “contribuir ainda mais para o desenvolvimento econômico da região Norte”. “Além disso, novas descobertas de jazidas de gás natural podem contribuir para uma matriz energética mais limpa para a região, ainda dependente de térmicas a óleo.”
As operações de Urucu costumam ser citadas como exemplo de que a atividade petrolífera na Amazônia pode ser sustentável. O polo é uma clareira cercada de floresta, sem acesso rodoviário que favoreceria o desmatamento no entorno.
Estudo da ONG 350.org, porém, aponta riscos de impactos da exploração nas áreas mais próximas a Manaus em 47 comunidades indígenas e 22 unidades de conservação no entorno.
O trabalho pontua que a maioria das comunidades identificadas ainda não direito territorial reconhecido pelo estado, o que eleva a fragilidade das populações. “Além disso, boa parte desses territórios já se encontra sob grande pressão por conta da presença do agronegócio e outras atividades extrativas”, diz o documento.
Entre os riscos socioambientais, o estudo elenca o desmatamento provocado pela abertura de canteiros de obras e infraestrutura logística, a possibilidade de aumento de mazelas sociais, como uso de drogas e bebidas por migração descontrolada, a pressão sobre os serviços públicos e as possibilidades de contaminação do ambiente.
“A exploração de petróleo e gás é inaceitável em qualquer lugar, mas neste momento em que a Amazônia sofre com a alta do desmatamento, das queimadas e de agressões a Povos Indígenas, o Brasil precisa estar mais atento do que nunca à expansão dos combustíveis fósseis na maior floresta tropical do mundo”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.
O grupo promoveu um protesto em frente ao hotel onde foi realizado o leilão.
“A floresta é tão importante que representa a vida mundialmente, e não é aceitável que projetos de petróleo e de gás tenham um valor maior do que o da vida”, diz o cacique Ninawá Huni Kui, presidente da Federação do Povo Huni Kui do Acre.
A ANP afirmou que “não oferece áreas em reservas indígenas e nem em áreas de proteção ambiental”. “Somos muito diligentes quanto a isso”, disse Moura.