A aproximadamente 90 quilômetros de Manaus encontra-se o Lago do Jutaí, em Manaquiri, região localizada na margem direita do Rio Solimões, onde moram aproximadamente 150 famílias da comunidade do Divino Espírito Santo. Entre os moradores da comunidade também reside, há dez anos, Luzia Ribeiro com seu marido, o cunhado e seus três filhos. A dona de casa conta que a principal atividade de subsistência da região é a pesca, porém também são realizadas outras atividades para o sustento de todos.
“O povo da minha comunidade é formado, em sua maioria, por pescadores. Vão para a pescaria e chegam bem no entardecer. Têm também plantações, rota para fazer farinha, colheita de frutas, criação de animais, como galinha e porco e daí tiram seu sustento. Na minha casa também criamos pato e temos polpa de cupuaçu e meu marido é pescador”, descreve Luzia sobre as diversas formas de subsistência presentes no dia a dia da população.
Como a alimentação é baseada no cultivo de plantas, na pesca e na criação de animais, a terra e, principalmente, o rio influenciam diretamente no modo de vida dos habitantes da localidade. Os períodos de seca e de cheia do rio definem quais ações devem ser estabelecidas para que suas necessidades básicas sejam atendidas. Tanto a cheia quanto a seca do rio são épocas que tornam a vida da população mais difícil e penosa.
“Na cheia alaga tudo e acaba com tudo. A gente tem que levantar as casas quando a enchente é grande e precisamos suspender o assoalho, que chamamos de maromba, para não pisarmos na água. Fazemos também isso para os animais. A vida fica muito difícil.
Para Luzia, apesar de a cheia comprometer a criação dos animais e das plantações, é o período da seca o momento mais desgastante.
“Quando seca também é muito difícil, porque seca tudo. No lago, morrem os peixes todinhos, fica uma calamidade. Muito difícil quando está seco. Agora nesse período está horrível. A gente fica sem poder se locomover, pois é muito longe para sair. A seca é pior que a cheia”, explica Luzia.
Neste mês de dezembro ocorre a temporada de seca. Com isso, os recursos que possibilitam a obtenção de alimentos se reduzem.
“Neste período agora das plantações, não tem nada porque está começando. A gente tem que esperar um tempo para que as plantações deem entre 4 a 6 meses, farinha, por exemplo, para a alimentação. Então, neste período, a gente procura onde está tendo peixe para pescar, vender e comprar o alimento na cidade”, esclarece Luzia.
O acesso aos serviços básicos, como a educação, nas regiões onde moram as populações ribeirinhas compreende certas particularidades. O transporte utilizado para levar as crianças e os adolescentes para as escolas é por meio de lancha ou barco. No caso do professor de história Bruno Corrêa que leciona na Escola Municipal Francisco Diogo de Melo, localizada próxima ao limite da cidade de Novo Airão, um dos principais desafios postos para ele além da mobilidade é a questão do fornecimento de energia.
“Os desafios ocorrem em várias frentes. O primeiro é a dificuldade da localização para os professores e também para os alunos. Metade dos alunos da escola necessita de transporte que é feito por meio de lancha escolar. A energia é racionada e funciona cerca 8 a 9 horas por dia”.
Apesar de certas barreiras, a escola possui uma estrutura consolidada, como eletricidade, internet e fornecimento de merenda. Além disso, a população é muito ativa em relação à participação das atividades escolares juntamente com os alunos e a equipe escolar.
O método de ensino utilizado na escola, de acordo com Bruno, é o desenvolvimento de uma educação que envolve os conteúdos curriculares na medida em que trabalha com o conhecimento local.
O método de ensino utilizado na escola, de acordo com Bruno, é o desenvolvimento de uma educação que envolve os conteúdos curriculares na medida em que trabalha com o conhecimento local.
“Nós seguimos em regra a proposta pedagógica do município. Mas discutimos conteúdos específicos da realidade local por atividades transversais interdisciplinares como Sarais/gincanas/ eventos externos organizados pela divisão distrital rural do município”.
Já quando ocorrem casos em que necessitam de atendimento médico, na Vila do Espirito Santo, Luzia conta quais são os procedimentos realizados:
“A agente de saúde vai até a nossa casa e qualquer coisa ela marca os exames que precisam ser feitos na Unidade Básica de Saúde (UBS), localizada no município de Manaquiri. Lá a gente faz o acompanhamento das crianças”.Também fala sobre a assistência comunitária da região: “Um ajuda o outro, se alguém estiver precisando de ajuda, se estiver doente e não tem como ir até o hospital nós damos um jeito de levar até o hospital ou de chamar alguma ambulância. Tem uma ambulância que é voadeira que vem buscar o doente quando tem água (cheia). No período de agora (seca) a pessoa tem que ir até o ramal que vem a ambulância de carro”.
Com todos os desafios postos pela variação do rio, que interfere e molda a rotina e o trabalho das populações que moram na beira das águas, como na produção de seu sustento e na sua locomoção, tornando a vivência, em certos aspectos, mais cansativa, Luzia afirma não pensar em se mudar para a cidade:
“Eu prefiro aqui. Tem sacrifício, mas a gente tem um pouquinho mais de paz, é mais tranquilo. Na cidade para a gente criar um filho ele fica mais vulnerável. A gente que não tem posse fica longe dos filhos, pois, precisamos trabalhar e os filhos acabam ficando vulneráveis aos bandidos. Eu prefiro interior, já morei em Manaus e prefiro aqui com todo o sacrifício e com todas as dificuldades, mas aqui é mais tranquilo”, e complementa que “Há a tranquilidade e a possiblidade de criar os filhos com outra visão. Eu vejo que na cidade a violência está muito grande. As crianças vão vendo isso como normal, a maioria das crianças da periferia vê um usuário de droga se drogando na frente da casa e vai crescendo achando que isso é normal e que pode fazer também. No interior isso já se tem mais incubado porque quando acontece os pais já procuram providencias para não ter isso. Para mim, a criação e a educação dos filhos no interior é mais segura para as crianças”.