Seja “segunda onda” ou “repique”, uma coisa é certa: os jovens estão se infectando mais na atual retomada da pandemia de coronavírus no país. Se em maio, início da escalada de registros, doentes entre 15 a 29 anos eram 13,5% dos diagnosticados, em novembro eles chegaram a 20,5%. Já entre as pessoas de 40 anos ou mais, há tendência de queda na proporção dos infectados.
A conclusão é de um estudo inédito obtido pelo GLOBO elaborado pela Rede Análise Covid-19, considerando todos os testes moleculares (tipo PCR) positivos nas bases oficiais do SUS desde o início da pandemia até o último dia 23. A Rede Análise Covid-19 é uma coalizão nacional de pesquisadores voluntários para o enfrentamento da pandemia.
As conclusões do estudo são especialmente preocupantes porque os jovens são os maiores transmissores potenciais da doença: como tendem a não sentir seus efeitos de forma aguda e, assim, mantém atividades e contatos sociais. Com a chegada das festas de fim de ano, em que as famílias se reúnem, eles podem se tornar agentes transmissores do vírus para os mais vulneráveis, como pais, avós e tios, afirma Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e autor do levantamento:
— Provavelmente não são os jovens que vão colapsar o sistema de saúde. Preocupa mais que eles sejam vetores de transmissão do que efetivamente lotadores de UTI.
Os dados apontam um crescimento na proporção de diagnosticados em todas as faixas dos 5 aos 39 anos. Dos 40 em diante, porém, há contínuas pequenas quedas ao longo da pandemia. Embora pareçam pequenas, algumas oscilações são significativas e importantes para mapear e combater a pandemia, aponta Isaac Schrarstzhaupt:
— A base de testes do SUS já é de 2,7 milhões. Considerando este total, um aumento ou queda de 2% ou 5% é significativo para verificar tendências.
‘Tem que ser muito forte’
Como milhões de brasileiros, Fernanda Reis, de 26 anos, continuou em regime presencial de trabalho durante a pandemia. De Padre Miguel, bairro na Zona Oeste da cidade, onde mora com a mãe de 60 anos e a avó de 82, até o Centro da cidade, onde trabalha, a estudante de Pedagogia pega o trem em horário de pico todos os dias. E, na volta, costuma passar por bares e restaurantes apinhados de gente bebendo, comendo e conversando, sem máscara.
— Você tem que ser muito forte para sair do trabalho numa sexta, após uma semana cansativa, e ir direto para casa — diz Fernanda, que não esconde ter saído para se divertir algumas vezes durante a pandemia.
Em 14 de novembro, ela sentiu um forte congestionamento nasal; dia 17, perda de olfato e paladar. Foi quando o alerta se acendeu. Diagnosticada com a doença, Fernanda passou dez dias isolada em seu quarto. Sua mãe, que teve Covid-19 no fim de março, não apresentou novos sintomas. Tampouco sua avó, única da casa a não contrair a doença. Apesar disso, Fernanda se sente responsável pela saúde dos familiares:
— Mesmo quando ainda não tinha sintomas, chegava do trabalho, ia direto da sala para o meu quarto. Tenho medo do que posso causar a elas.
Thayanne Côgo, 22 anos, teve complicações após contrair a Covid-19. Estudante de Medicina de Nova Iguaçu, ela viu a doença evoluir para uma pneumonia e atingir seus pulmões — foram sete dias no CTI. Thayanne acredita que, quando bares e boates reabrirem, jovens como ela vão “ignorar ainda mais” o vírus. Ela conta que conhece pelo menos outras seis pessoas de sua faixa etária que estão com a doença.
— O fato de ser jovem as vezes sobe a cabeça, como se a pessoa fossa “blindada” para a doença — diz Thayanne, que no momento está na fase final de recuperação num quarto de hospital. — Todos devem se proteger.
Pacto de empatia
Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico da rede pública do DF, José David Urbaez afirma que o isolamento social, embora mal feito no país, funcionou relativamente no início da Covid-19 no Brasil. Mas, com a abertura das atividades e relaxamento da população, os jovens foram os primeiros a começarem a se movimentar — e foram determinantes para o aumento das infecções.
— Os mais vulneráveis ainda tendem a ser mais precavidos, mas os jovens têm desempenhado esse papapel de disseminar o vírus — diz Urbaez.
Segundo ele, a falta de uma “intervenção potente por parte do Estado” aliada à cultura de minimizar os riscos para tentar voltar à normalidade são características que dificultam o controle da doença. A recomendação do infectologista para as festas de fim de ano é manter as medidas de segurança e postergar as comemorações para 2021.
— Dá um tchauzinho de fora da casa, abraça pelo computador — diz Urbaez. — Se toda sociedade tivesse um pacto de empatia para proteger os vulneráveis, aguardaríamos o Natal de 2021 para celebrar juntos. Mas, no nosso contexto, tememos que haja um encavalamento de casos e agravamento da situação.
Alguns estados começam a se ver pressionados a retomar medidas de restrição. Mesmo São Paulo e Distrito Federal, que já editaram normas mais rígidas, como diminuição de horário de funcionamento de bares, têm sido alvo de reclamações. Cientistas apontam que os atos ainda são tímidos diante da perspectiva de uma nova onda da Covid-19, que já se reflete em diminuição da capacidade de atendimento na rede de saúde.
O GLOBO procurou o Ministério da Saúde sobre o fato de jovens estarem se infectando mais, questionou se há orientações ou medidas específicas para esse público, e se existem recomendações de segurança à população para as festas de fim de ano. A pasta não retornou até o fechamento da edição.