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Justiça Federal suspende decisão da Funai para evitar grilagem de terras indígenas

Entre outras determinações judiciais, Funai e Incra deverão considerar terras indígenas em processo de demarcação nos sistemas
Imagem: Stockphotos

A Justiça Federal determinou, em caráter liminar, a suspensão dos efeitos da Instrução Normativa (IN) nº 9/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Amazonas e a manutenção ou inclusão, em até 72 horas, de todas as terras indígenas do estado no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), mesmo que os processos de demarcação das áreas ainda não estejam concluídos. A decisão atende aos pedidos do Ministério Público Federal (MPF), em ação civil pública contra a Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A Justiça também determinou que a Funai considere todas as terras indígenas do Amazonas na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites e que o Incra leve em consideração, no procedimento de análise de sobreposição realizada no Sigef, terras indígenas em processo de demarcação, impedindo assim que sejam apropriadas por particulares. O Incra deverá ainda providenciar os meios técnicos necessários para o imediato cumprimento da decisão judicial. Em caso de descumprimento de alguma das determinações, os réus deverão pagar multa diária de R$10 mil reais.

No Amazonas, a Funai informou que há 28 terras indígenas que podem ser ocultadas no Sigef em decorrência da IN nº 9/2020, em estudo, delimitadas ou declaradas. Há, ainda, outras 184 áreas reivindicadas, que estão em fase de qualificação, ou seja, seus estudos sequer foram iniciados e não há previsão para seu início, além da terra indígena Jacareúba/Katauixi, em estudo para restrição de uso por indígenas isolados.

A IN nº 9/2020, publicada em 22 de abril deste ano, define que “a Declaração de Reconhecimento de Limites se destina a fornecer aos proprietários ou possuidores privados a certificação de que os limites do seu imóvel respeitam os limites das terras indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas”.

Com esta redação, a instrução normativa reduziu as hipóteses para as quais não caberia a emissão de ato administrativo de reconhecimento de limites, excluindo as terras indígenas em processo de demarcação. A Instrução Normativa nº 3/2012, em vigor antes da IN nº 9/2020, previa que “o Atestado Administrativo se destina a atestar a situação geográfica de imóveis de terceiros em relação às terras indígenas regularizadas ou em processo de demarcação”.

O MPF explica, na ação, que o processo de demarcação de terras indígenas é complexo e, geralmente, demorado, destacando que o atestado administrativo era um dos instrumentos disponíveis para minimizar os conflitos fundiários que surgem ao longo dos anos de trâmite do procedimento.

Etapas da demarcação

As terras indígenas em processo de demarcação são aquelas não regularizadas e as que ainda não tiveram seus limites homologados por decreto presidencial.

Ao longo do procedimento de demarcação, as áreas passam pelas diferentes etapas:

  • ‘Em qualificação’, que inicia o processo de demarcação, com a apresentação formal da reivindicação pela comunidade indígena;
  • ‘Em estudo’, marcada pela constituição de grupo de trabalho para realização de estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, enviados à presidência da Funai para aprovação;
  • ‘Delimitadas’, com estudos aprovados pela Funai e publicados em Diário Oficial, em fase de contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça;
  • ‘Declaradas’, já autorizadas para serem demarcadas fisicamente a partir de portaria do ministro da Justiça;
  • ‘Homologadas’, que já possuem limites materializados e georreferenciados, homologada por decreto presidencial;
  • ‘Regularizadas’, quando, após a homologação, já há registro em cartório em nome da União e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

Há, ainda, as chamadas áreas interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, que visam proteger os territórios de perambulação de povos indígenas em isolamento voluntário (isolados).

Pela IN nº 9/2020, somente a partir da homologação é que as terras indígenas passam a constar no Sigef. “Em outras palavras, a IN FUNAI nº 9/2020 viola a publicidade e a segurança jurídica ao desconsiderar por completo terras indígenas delimitadas, declaradas e demarcadas fisicamente, além das terras indígenas interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas em isolamento voluntário”, afirma o MPF na ação civil pública.

Na decisão, a Justiça destaca que a IN nº 9/2020 da Funai viola primeiramente o direito originário que os povos indígenas possuem em relação às suas terras tradicionalmente ocupadas, não sendo constitucionalmente possível que uma instrução normativa derrube a lógica do sistema constitucional em vigor há dezenas de anos. Além disso, a instrução normativa viola o dever que a própria Funai tem “de proteção aos povos indígenas, suas terras, costumes e tradições, diminuindo ilegalmente (e ridicularizando) seu próprio papel e sua missão institucional, podendo seus responsáveis vir a responder futuramente até por ato de improbidade administrativa”, diz trecho da decisão.

Ainda segundo a Justiça, a instrução normativa viola o dever de obedecer tratados e convenções internacionais, fazendo exatamente o contrário do que dispõe a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais, que afirma que:

“devemos considerar a evolução do direito internacional desde 1957 e as mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se eliminar a orientação para a assimilação das normas anteriores; e que devemos também reconhecer as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram”.

*Informações da assessoria

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