“Cidadania se faz com educação. Precisa ser justa, igualitária e acessível a todos os cidadãos em todos níveis”. Nino Carneiro
Comumente ao questionarmos as pessoas sobre o que é política e o que é ser político, as respostas sempre se darão em um caminho exterior a si mesmo, que vê a si mesmo como alguém fora desta realidade. De um modo geral para o senso comum, político é o presidente, o governador, os senadores e deputados. E talvez este seja o grande entrave de nossa maturidade política. De que não nos reconhecemos como políticos. Se ao falar de política e ao tentar compreendê-la, em minhas respostas e ideias eu não me vejo como parte de tudo isso, minha visão é incompleta ou parcial. Vejamos o porquê.
O estudo da Filosofia Política me colocou diante da etimologia como forma de compreender o que as palavras carregam em sua raiz histórica original. É como se a raiz etimológica nos apresentasse a alma contida nestes conceitos. E falando de política e cidadania, se faz necessário esta abordagem. Por que falar de cidadania em um tema sobre política? Simples, são dois conceitos de raízes etimológicas diferentes, mas que carregam em si a mesma natureza, a mesma essência e o mesmo significado.
No grego, o conceito polis significa cidade, de maneira que aquele que nasce na polis é o politikos, daí nasce por sua vez o conceito política. Desta forma entende-se que quem nasce na polis pertence a este meio, portanto, um político. No desenvolvimento e continuidade dos termos linguísticos, o conceito política e político ganhou outros significados. Mas a abordagem etimológica nos coloca no centro de um entendimento fundamental. Somos todos filhos da polis, ou seja, pertencemos ao universo da cidade e de tudo que a engloba.
Já o latim trouxe para nosso idioma outra forma de compreender este pertencimento ao meio da cidade. Os romanos chamavam a cidade de civitas, que por sua vez também significa cidade. Portanto, um romano nascido na civitas é conhecido como cidadão. E a civitas por sua vez é uma grande reunião de cidadãos. Assim, somos todos políticos e cidadãos, todos nós.
Desta forma, polis e civitas, não são apenas dois conceitos, mas possuem a essência do que se quer apresentar aqui. Fazemos parte de um espaço, pertencemos à cidade, ao país. Somos cidadãos, mas também somos políticos. E tudo o que faz parte da vida “na cidade” diz também respeito à minha pessoa. Não devo pensar primeiramente em alguém que não seja eu, mas ter esta compreensão de que sou um politikos, um cidadão.
Uma visão política completa é aquela que envolve a todos, aqueles que governam, como aqueles que são governados. E pensar o Brasil, pensar nossas cidades e até mesmo o lugar onde vivemos consiste em pensar como participantes e pertencentes não somente a um espaço, mas em pertencer a tudo o que diz respeito à vida na cidade.
O conceito de cidadania completa o conceito de política, justamente pelo fato de que o cidadão é capaz de se ver como fundamental dentro do processo de vida complexa que é a cidade e a civilização. A cidadania carrega a necessidade de se vivenciar plenamente os direitos e deveres políticos contidos na Lei, na Constituição, bem como nas normas de convivência e de respeito uns aos outros.
E a Política? Para muitas pessoas pode soar como algo terrível que temos que evitar falar, como um assunto que só gera discórdias e discussões inúteis, que na verdade, por vários motivos, gera muitas brigas. Conheço bastante gente que deixou de ter amigos por questões políticas. Infelizmente a ignorância e o senso comum já decretaram sua sentença: “sobre política não se discute”. A verdade é que por trás das ideias de muitas pessoas o que há de fato é uma enorme falta de conhecimento, falta de interesse em aprofundar o assunto e também pela falta de bom senso do que seja realmente este universo da política. Somado a isto, há toda a polarização atual em nosso país, as inúmeras investidas de falta de respeito para com os adversários políticos, a banalização do tema o transformando em algo fútil, sarcástico e muitas vezes diabolizado, o que agravou ainda mais a disseminação de ideias extremistas e preconceituosas sobre o tema. Sugiro que estas ideias sejam deixadas de lado neste momento, para que um melhor entendimento deste texto seja possível.
Como sou professor de filosofia, posso afirmar com toda segurança que o tema política faz parte das principais temáticas humanas, portanto, filosóficas também, visto que se trate de um problema humano muito presente nas ideias dos principais pensadores deste a Grécia Antiga. Passando pelos pensadores medievais, modernos até chegar aos nossos dias.
Quando inicio as aulas sobre o tema política, sempre faço a pergunta: quem gosta de política? As manifestações são as mais desanimadoras. Diríamos que de um universo de quarenta alunos apenas cinco dizem gostar do tema. Mas, quando se busca o porquê desta atitude, um motivo é unânime, muita corrupção, linguagem difícil e complicada, o descaso dos políticos para com a população e principalmente com as camadas mais jovens, bem como as discussões depreciativas que colocam a política como um dos temas mais evitados por nossas crianças e jovens.
Um de meus objetivos aqui é exatamente compartilhar aquilo que me faz gostar de ler, conversar, dialogar, estudar e compreender o que seja a política e de que maneira ela afeta a nossa vida. Pelo menos, basta compreender que tudo o que se relacione a nossa vida econômica, a transporte público, saúde pública, benefícios no trânsito, preços da cesta básica, o valor da passagem de avião que preciso para curtir minhas férias em algum lugar agradável, o preço de itens básicos, dos serviços, o alvará que meu pai empresário paga para ter seu estabelecimento funcionando, os impostos embutidos em tudo o que pagamos e consumimos, pois é, isso e mais uma infinidade de coisas fazem parte deste processo tão importante em nossas vidas, o processo político. Entendido desta forma, pode-se arriscar uma conclusão: Já que se trata de algo muito importante, precisa ser pensado e refletido, tratado e dialogado com todo o carinho necessário.
Não se pode pensar em política de forma individual, mas é necessário entender que se trata do “nós”, ou seja, “de todos”. A partir do momento em que esqueço deste princípio coletivo, a política perde seu sentido e seu valor. E é exatamente essa natureza coletiva que faz da política algo sublime e extremamente importante, até mesmo para aquilo que mais buscamos, a felicidade.
Como poderíamos educar e ensinar nossas crianças para que tenham uma abertura para este tema, cidadania e política? São elas relacionadas e inseparáveis, necessárias e vitais. Política acabou tornando-se um tema relacionado a partidos políticos: MDB, PT, PDS, PRONA, PSDB, PSL e outros inúmeros existentes em nosso país. No entanto, pensar desta maneira é pensar apenas uma parte da coisa. Ela é muito mais abrangente e complexa, e diz respeito diretamente a nós, a mim e a você.
Posso não ser o político que governa a cidade ou um Estado, ou que tenha algum cargo político. Mas devo ter consciência sim de que sou um cidadão que pertence a um povo, a uma cultura, a uma nação. E tudo o que faz parte da vida deste povo e desta nação, faz parte de um todo, ou seja, de um processo em que todos se ligam e, de alguma forma, interdependem.
Uma sociedade como a nossa, que possui grandes desigualdades precisa compreender o que é a política e o que significar fazer parte dela, principalmente uma sociedade de regime democrático. Uma sociedade que pretenda viver bem, viver em paz, viver de forma digna e plena os seus direitos e deveres, precisa saber conectar-se, dialogar, chegar a consensos, necessita construir pontes e conexões, respeitando o outro, o espaço público, os diversos interesses, respeitando a coletividade, a democracia e a igualdade.
Ser político, de um modo geral significa viver a cidadania, de forma consciente, livre, responsável e guiada sempre por valores e pelo desejo do bem coletivo. É necessário atuar na vida na polis. Certamente o resgate da raiz do conceito nos coloque ligados a esta realidade. De que somos todos filhos da polis, portanto, fazemos parte de um mesmo dinamismo, de um mesmo processo, e para que a vida na cidade e na sociedade seja positiva e benéfica se faz necessária a participação consciente e responsável por parte de todos.
Por Sérgio Bruno
É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.