O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a aplicação de multa de R$ 100 mil à União, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), à Caixa Econômica Federal por descumprirem decisões judiciais que determinaram a adoção de medidas para garantir a saúde e o isolamento social de indígenas das regiões do Alto e do Médio Rio Negro, no Amazonas.
As medidas, determinadas em decisão de 8 maio deste ano, incluem a distribuição de cestas básicas, a prorrogação do prazo para saque do auxílio emergencial, benefícios sociais e previdenciários, bem como possibilidade de acesso aos benefícios direto nas aldeias, e a adequação do aplicativo da Caixa Econômica Federal destinado à concessão do benefício, com o objetivo de garantir que os povos indígenas permaneçam em isolamento social nas aldeias e comunidades e evitem o deslocamento aos centros urbanos e as consequentes aglomerações durante a pandemia de covid-19.
Após o descumprimento da primeira decisão, o TRF1 proferiu nova decisão, em 16 de junho, determinando que a União comprovasse, no prazo de 24 horas, a entrega de cestas básicas aos indígenas, o que não ocorreu, conforme constatado pelo MPF. Essa segunda determinação judicial já previa a aplicação de multa de R$ 100 mil, caso não fosse cumprida.
No pedido que pede a aplicação da multa ao TRF1, o MPF relata que, até o momento, nada foi feito pelos órgãos federais para adequar as formas de acesso aos benefícios ao contexto indígena, nas aldeias no Alto e Médio Rio Negro. “Os indígenas continuam se deslocando à sede dos municípios para sacar o auxílio emergencial e outros direitos sociais e previdenciários, uma vez que não houve a implementação dos mecanismos facilitadores de acesso a esses direitos em áreas remotas”, conforme determinado pela Justiça Federal. Fotos contidas no documento mostram longas filas formadas no município de São Gabriel da Cachoeira no dia 26 de junho, mais de um mês após a primeira decisão judicial determinando as medidas solicitadas pelo MPF em ação civil pública.
“As demais medidas, relativas à extensão de prazo e adequação do acesso ao recebimento do auxílio emergencial, benefícios sociais e previdenciários, a despeito do lapso desde que foi proferida a decisão, permanecem sem cumprimento pelos recorridos”, destaca trecho da manifestação do MPF.
Omissão e riscos iminentes
O MPF destaca que, no início de maio, quando foi proposta a ação civil pública, o município de São Gabriel da Cachoeira registrava quatro casos confirmados de covid-19. Conforme os números registrados até a formalização do pedido de multa, dia 27 de junho, havia 2.646 casos confirmados e 44 óbitos, segundo a Fundação de Vigilância Sanitária do Amazonas.
“Não bastassem os números expressivos, notadamente em face das precárias condições estruturais do serviço público de saúde em São Gabriel da Cachoeira, há fundado risco de que esses números se agravem ainda mais, tendo em vista os resultados obtidos em recente estudo da Universidade Federal do Amazonas que alerta para o risco de novo pico de contaminação no mês de julho, em razão da reabertura gradual dos serviços não essenciais em Manaus”, acrescenta o MPF no documento.
Ainda de acordo com o MPF, novos casos estão se multiplicando também nos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, que compõem a região do Alto e Médio Rio Negro, por conta da “deliberada omissão dos requeridos em dar cumprimento à decisão proferida”.
Outra perspectiva de piora no cenário da pandemia nessas regiões, segundo o MPF, é a prorrogação do pagamento do auxílio emergencial por mais dois meses sem as adequações solicitadas, anunciada recentemente pelo Ministério da Economia, que tende a manter o fluxo de movimentação dos indígenas entre aldeias e sede do município, formando um cenário calamitoso de contaminações pelo coronavírus.
Na ação civil pública ajuizada em maio, o MPF apontou que os riscos de contaminação pela covid-19 são catastróficos para os povos indígenas, incluindo aqueles de recente contato, com pouca imunidade para doenças respiratórias. “Tudo isso com o incentivo da propagação da doença pelo próprio Poder Público por meio de políticas equivocadas e não adaptadas ao contexto indígena, denunciadas há, pelo menos, cinco anos por eles e pelo MPF”, afirmam os procuradores da República, em trecho do documento.