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Indígenas isolados que vivem na região da BR-319 estão sem proteção legal e vulneráveis a várias ameaças

Os indígenas Katawixi, que vivem em isolamento voluntário na Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawixi, localizada na área de influência da BR-319, estão vulneráveis a várias ameaças. Pois, a Portaria de Restrição de Uso, estabelecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e que proíbe a entrada de não indígenas no território, expirou desde 12 de dezembro de 2021.

    Uma das ameaças é o aumento de ramais na região próxima à TI, deixando os indígenas vulneráveis a invasões de terras, como indica o alerta feito pelo Observatório BR-319 (OBR-319), por meio da nota técnica “Abertura e expansão de ramais em quatro municípios sob influência da rodovia BR-319” (https://bit.ly/3KCmp0v).

O levantamento, realizado por pesquisadores, identificou o aumento de 1.593 quilômetros na rede de ramais, localizada na área de influência da BR-319, nos últimos cinco anos. Os números correspondem aos municípios de Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá, no sul do Amazonas, bem próximos à TI Jacareúba-Katawixi.

    “De modo geral, a situação dos indígenas em isolamento na área de influência da BR-319 é grave”, destaca o gerente de povos isolados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Luciano Pohl. “Em relação à TI Jacareúba-Katawixi, desde 2006, o território vem sofrendo com desmatamento, especialmente, nas margens do rio Mucuim. Em 2016,surgiram quilômetros de ramais na área”, destaca Pohl.

    Os dados da nota técnica do OBR-319 indicam que grande parte da rede de ramais está possibilitando uma forte pressão por ocupações ilegais nas Áreas Protegidas. Em Canutama, é possível notar uma extensa rede de ramais próxima ao Parque Nacional (Parna) Mapinguari e à TI Jacareúba-Katawixi, que possui 96% de seu território sobreposto a esse Parna. Já em Humaitá é possível notar uma extensa rede de ramais na região do distrito de Realidade, promovendo pressão na Floresta Nacional (Flona) de Balata-Tufari.

    O território Jacareúba-Katawixi também está localizado em uma área de grande pressão da BR-319: próximo às margens da rodovia, na fronteira com as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, cercado por Unidades de Conservação (UCs) que registram números expressivos de desmatamento e no caminho da expansão urbana de Porto Velho, capital de Rondônia. A nota técnica do OBR, destaca que é possível notar o avanço de ramais no território. Em um local destinado a um povo isolado, existem ramais e áreas desmatadas que se destacam nas imagens de satélite. Na semana passada, o Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC-AM), com base nos dados do OBR, solicitou providências do Governo do Estado em relação à expansão desses ramais.

    A falta de Portaria de Restrição de Uso nessa região acontece em um momento crucial da conjuntura política do País e do processo de licenciamento das obras do Trecho do Meio da BR-319, quando o Componente Indígena do Estudo de Impacto Ambiental (CI-EIA) está sendo apresentado ou entregue para apreciação das comunidades abrangidas pela medida.

    A situação foi alvo de recomendação do Ministério Público Federal (MPF), em março, mas nenhuma medida foi tomada. Segundo informações da Funai, repassadas pela Secretaria de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação, ao Observatório BR-319, o órgão indigenista cometeu um equívoco em relação à renovação da portaria. A medida expirou em 2017 e não em 2021 e, desde então, o território estaria desprotegido. A Funai realizou uma expedição, em março, à TI para a renovação da Portaria de Restrição de Uso. No entanto, ainda não foi renovada.

    Antes de expirar a Portaria de Restrição de Uso da TI Jacareúba-Katawixi, a Coiab também publicou a nota técnica “Povos Indígenas Isolados e a BR-319”, alertando sobre a vulnerabilidade crescente dos territórios indígenas da área devido ao avanço do processo de licenciamento do Trecho do Meio.

    “As constantes notícias e iniciativas de reabertura, asfaltamento e manutenção da BR-319 ao longo de quatro décadas gerou um cenário propício à ilegalidade, especulação imobiliária, abandono das populações ao longo do eixo da BR, desmatamento ilegal, aumento do índice de violência de diversas ordens (tráfico de drogas, contrabando, prostituição infantil, roubo de cargas), garimpo ilegal”, destacou a publicação. Mesmo assim, nenhuma medida foi tomada pelo governo federal, pelo contrário, o processo de licenciamento tem avançado rapidamente nos últimos anos.

Ignorados

    O processo de licenciamento da BR-319 deveria considerar a presença dos povos em isolamento, mas negligencia a situação. Luciano Pohl destaca que o governo tem que garantir, entre outras coisas, a aplicação da Convenção Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Portaria Nº 60 da Funai. “Mas isso não é observado no processo da BR-319. O processo de licenciamento deveria considerar, pelo menos, condicionantes, planos básicos ambientais e resguardar as condições de estudos dos territórios com evidências da presença de grupos isolados”, explica.

Pressão

    Para entender a complexidade do contexto que envolve os povos isolados, o também indigenista da Coiab, Luiz Oliveira Neto, explica que os Katawixi, provavelmente, são do povo Kawahiva, sobreviventes de diversos massacres e dispersos em pequenos grupos entre o Amazonas, Rondônia e Mato Grosso, ou de outro povo do tronco linguístico Arawá, como é o caso dos Paumari. Independente disso, eles tiveram o seu território dividido pela abertura da BR-319.

    “Essa divisão do território dos indígenas, por si só, é catastrófica. O grupo que vive na TI Jacareúba-Katawixi pode ser de dois ou mais povos. Eles podem tanto habitar a sudoeste do Trecho do Meio, quanto a oeste do trecho entre Humaitá e Porto Velho. Além disso, há de se considerar que essa região tem ecossistemas únicos, que são os campos amazônicos”, diz Neto.

    A Portaria de Restrição de Uso é o único instrumento que existe para proteção destes indígenas. “Por isso, a TI Jacareúba-Katawixi está sob restrição de uso, para estudos, para saber qual o grupo étnico vive ali, que recursos eles precisam para a manutenção do seu modo de vida, quais áreas eles usam e, enfim, entender quais são as necessidades deles para a delimitação do território com segurança. A não renovação da portaria é um ataque à existência dos indígenas isolados.”, acrescenta.

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