Pensar o ser humano, é pensar em um ser de relações, significa imaginar que somos seres do embate, das diferentes ideias, dos mais diversificados interesses, é constatar que cada indivíduo carrega dentro de si coisas específicas, desde nosso caráter, nossa carga emocional, afetiva, história de vida, dramas e medos pessoais, suas virtudes e suas limitações.
No entanto, é impossível imaginar o ser humano fora de uma zona de relacionamento, e mesmo estando sozinho, o ser humano encontra um sentido relacional para com alguma coisa. Ou seja, relacionar-se faz parte de nossas características mais humanas. Já diria Aristóteles que o ser humano é um “animal político”, ou seja, social, e que vive na interdependência com seus semelhantes.
É importante verificar que dentro deste aspecto social de nossa existência haja um importante elo facilitador, o ato de estabelecer diálogo com tudo e com todos. O que pode constituir em algo bom ou não tão bom assim, já que mesmo sendo o ato de dialogar muito importante, nem sempre o ser humano está aberto para o diálogo, ou seja, a atitude de estabelecer diálogo com o outro nem sempre é uma escolha de todos. Diálogo exige aprendizado diário, escuta, compreensão, e vontade mútua de resolver impasses, boa vontade.
A experiência de vida humana carrega dentro de si inúmeras e diversas formas de viver e de conviver. Desde os sistemas políticos mais básicos como nas sociedades antigas e de organização menos complexas até aqueles regimes mais fechados politicamente, com vivências mais totalitárias, ou mesmo fundamentados em um poder religioso.
Historicamente o ser humano vai se dando conta de que existem formas diversas de pensamento, de ideias, visões de gênero, diversidade de compreensões racionais, científicas, tecnológicas, ideológicas ou religiosas. O universo humano é o universo da diversidade. Ou seja, ele percebe que dentro do espaço mundo-sociedade se faz cada vez mais necessária a capacidade de dialogar, de resolver conflitos, sejam dentro de seu grupo, seja no complexo encontro com outras culturas.
Assim, a prática do consenso passa a ser uma regra básica e imprescindível em todos os aspectos. Evidentemente que nem sempre se buscou solucionar os mais variados tipos de impasses nos diferentes níveis da convivência humana através de acordos pacíficos ou mesmo por diálogo, surge então o momento de acirrar os conflitos, partir para a ignorância, neste momento o insulto vira argumento e as atitudes intolerantes, uma prática aceita, do autoritarismo, da censura, do uso da força, ou até mesmo dos conflitos físicos.
A gloriosa Atenas do século V e IV a.C., foi uma sociedade estabelecida sobre os princípios de isonomia, dos direitos iguais a qualquer cidadão ateniense, bem como da isegoria, que consistia no direito que qualquer cidadão possuía de discursar no palco das grandes decisões da vida na polis, a agora. Atenas é a inspiração de todo pensamento e vivência democrática.
Célebres pensadores, estadistas, legisladores e filósofos se beneficiaram destes direitos democráticos para desenvolver suas ideias de forma dialogal, confrontando pensamentos, argumentando de forma lógica, e contribuindo para a sua sociedade, bem como, deixando suas ideias e reflexões como um legado dialético para a história.
Outra experiência decisiva que contribuiu para forjar o processo de construção dos princípios e valores da democracia moderna e contemporânea foi a contribuição dos pensadores contratualistas, que abriram um amplo leque de discussões filosóficas e políticas, sobre o direito natural, o direito positivo, as relações entre os poderes, sobre a vontade geral, a propriedade privada, sobre os “direitos do homem”, bem como da vivência democrática e cidadã. Dessa maneira o povo, o cidadão se lançava em busca do possível, a partir de dificuldade e imprevistos, como também na possibilidade de poder participar do processo decisório de sua pátria.
Percebamos o momento histórico político em que a sociedade brasileira se encontra, exatamente em um momento delicado em que situações graves urgem por soluções: intolerância, violência urbana, discriminação racial, violência contra as mulheres, homofobia, inflação, pobreza e miséria, desemprego, crise econômica crise energética, crise hídrica, desmatamento, questões agrárias entre tantas outras.
Neste exato momento de sua política o povo brasileiro, suas lideranças, os partidos, as ONG’s, empresariado, todos deveriam ter condições para se reunir de forma civilizada, ou seja, deveríamos entrar em consenso na busca de acordos, dialogar possibilidades e ideias, soluções e propostas para podermos, juntos tocar nosso país.
Infelizmente o processo político participativo conseguiu rachar profundamente a possibilidade do diálogo, que por sua vez se tornaram mais restritas e escassas, e poucos são aqueles que se dispõem para tal. Com os ânimos em ebulição pouco se pode esperar que este cenário mude, e prestes a se realizar um novo pleito, a grande massa ainda se encontra profundamente dividida.
Quantos de nós não passamos por experiências de violência verbal, de isolamento, de discussões sem fim por ideologias partidárias e politiqueiras? Isto sem falar de falsas notícias, de discursos falaciosos que nada contribuem para o clareamento do processo. Somos um país complexo, culturalmente, etnicamente, historicamente, possuímos “vários Brasis”. O povo brasileiro possui interesses diversos que precisariam de profunda serenidade e maturidade política democrática para dar seguimento a novas metas, no entanto, nos perdemos em uma polarização vazia, o que é prejudicial para todos, principalmente as classes mais afetadas por todos estes problemas.
Na ausência do diálogo muito se perde e nada se resolve e muitos sofrem as consequências. É momento de parar, repensar e refletir, fomentar novas atitudes, novos caminhos em todas as estâncias da sociedade e enquanto permanecermos divididos estaremos afundados em graves problemas que infelizmente continuarão sem solução. E o mais agravante de tudo, nossas lideranças políticas falham na tarefa de agregar mais a sociedade, o que torna as divisões e rixas ainda mais acentuadas.
A natureza do sistema político democrático está no direito e na possibilidade que cada cidadã e cidadão possui de expressar seus interesses, e no de, no bojo de inúmeras diferenças, encontrar o melhor caminho para todos. Ou restabelecemos o diálogo ou veremos, aos poucos, nossa preciosa democracia definhar.
Por Sérgio Bruno
É um livre pensador e professor formado em Ética e Filosofia Política, com mais de 15 anos de experiência na docência e formação de jovens e adultos. Atualmente também é professor em cursos pré-vestibulares na área de Ciências Humanas e suas tecnologias, atuando também como professor de Sociologia, Cultura Religiosa e Teologia. É apaixonado por temas como Cultura e Sociedade, Cidadania, Política, Direitos Humanos e Diálogo Inter-religioso. Adora livros, leitura e literatura e deseja convidar você para compartilhar pensamentos, ideias e reflexões diversas.