Advogadas especializadas na defesa da liberdade de expressão lançam na próxima quarta-feira (23) o Tornavoz, associação que vai financiar a defesa judicial de pessoas que tiveram a liberdade de expressão inibida, atacada ou censurada, especialmente fora dos grandes centros do país.
O auxílio poderá ser solicitado por comunicadores, artistas, jornalistas e blogueiros que estejam sofrendo um processo ou investigação por causa de manifestações e que não tenham dinheiro para custear advogados.
Nos casos em que a defesa já estiver constituída, será possível solicitar o suporte técnico da associação.
“A intenção do instituto é fortalecer a liberdade de expressão. Fortalecer os jornalistas, o comunicador, o artista, as pessoas que tiverem a liberdade de expressão de alguma forma violentada. E fortalecer a advocacia especializada nesse segmento do direito, porque essa é também uma área difícil e há pouca gente especializada”, diz uma das fundadoras e diretora do Tornavoz, a advogada Taís Gasparian.
Advogada da Folha de São Paulo e especialista na defesa de profissionais da imprensa, Gasparian destaca que a liberdade de expressão passa por um momento extremamente sensível no país, numa escalada que vem das manifestações de 2013 até o governo de Jair Bolsonaro, com o aumento da polarização, ataques reiterados à imprensa por parte de autoridades públicas e desinformação nas redes sociais.
Em 2021, pela primeira vez em 20 anos, o Brasil entrou na “zona vermelha” do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa dos Repórteres sem Fronteiras. O país caiu para a 111ª colocação na pesquisa que avalia condições para o exercício do jornalismo em 180 nações.
Gasparian diz que a associação quer incidir principalmente nos processos judiciais contra veículos de comunicação e profissionais que atuam em pequenos municípios do país, prática que prejudica e inibe um trabalho fundamental para a democracia.
A seleção de casos será feita por meio de um formulário disponibilizado na página da iniciativa a partir da data de lançamento. Nele, deverão ser incluídos os dados para contato, informações sobre o conteúdo que está sendo questionado e o número do processo, quando houver.
A diretora-executiva do Tornavoz, a advogada Charlene Miwa Nagae, explica que os recursos para custear a defesa são limitados, por isso serão priorizados processos contra profissionais sem condições financeiras, especialmente de grupos historicamente discriminados, como mulheres, negros e LGBTQI+.
Diante da falta de profissionais especializados na defesa desses processos fora do eixo Rio-São Paulo e grandes centros urbanos, onde estão as principais empresas de comunicação, o instituto quer atrair advogados de outros estados e formá-los.
“A ideia é que a gente tenha advogados que atuem nessa área em todo o país, em todas as localidades para que exista uma rede fortificada de pessoas defendendo a liberdade de expressão”, afirma Charlene.
“Nós esperamos que, com essa remuneração, em primeiro lugar a gente fortaleça a advocacia, forme mais advogados com interesse —especialmente advogadas mulheres— nessa área de liberdade de expressão, para com isso conseguir inclusive fortalecer o arcabouço jurisprudencial dos tribunais”, diz Gasparian.
O lançamento do Tornavoz faz parte da programação do Festival 3I, com a mesa “Defesa da Expressão Livre”, que será realizada no dia 23, às 17h, com a participação de Gasparian e dos jornalistas Elvira Lobato, Juca Kfouri —colunista da Folha— e Alex Silveira, todos eles profissionais que já tiveram que enfrentar tanto ofensivas na esfera jurídica quanto violações ao exercício profissional.
Silveira chegou a ser declarado culpado por ter tido o olho esquerdo atingido por uma bala de borracha disparada por um policial militar de São Paulo durante a cobertura de um protesto, em 2000.
A disputa judicial durou 21 anos e terminou no ano passado, quando o caso chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal). Por 10 a 1, os ministros decidiram que o Estado deve ser responsabilizado por jornalistas que são feridos durante a cobertura de manifestações.
Silveira, que fazia a cobertura para o extinto jornal Agora, do Grupo Folha, foi defendido pelo escritório de Gasparian e agora aguarda o pagamento da indenização. Hoje estudante de oceanologia, ele diz que seria inviável arcar com os custos da defesa e elogia a criação do Tornavoz.
“Traz uma situação maior de segurança aos jornalistas mais desprotegidos ou desassessorados, o que por si só traz um auxílio para a própria democracia em si, porque não são poucos os tipos de violações a jornalistas e comunicadores e muitas vezes, muitas vezes mesmo, eles não tem para onde correr.”
Katia Brasil, cofundadora e editora-executiva da agência Amazônia real, em Manaus, conta que ao longo de 30 anos de carreira já enfrentou de intimidações a ameaça de morte após publicar denúncias envolvendo autoridades numa época em que era mais difícil conseguir apoio diante dessas agressões.
“É muito importante que tenha no Brasil uma associação liderada por mulheres que possa ver a diversidade brasileira e juntar outras advogadas e advogados das regiões do país para defender os jornalistas”, diz.
Cofundadora do Tornavoz, a advogada especializada em direito penal Laura Gasparian Tkacz afirma que nessa esfera é comum que as pessoas sejam investigadas ou processadas por crimes contra a honra em razão de manifestações feitas principalmente em veículos de comunicação e redes sociais.
“É uma análise que deve ser feita caso a caso, mas há critérios que devem ser considerados e que têm relação com o direito à liberdade de expressão”, afirma, citando que o próprio Código Penal exclui a tipificação nos casos de manifestações críticas.
O Tornavoz deve atuar ainda como “amicus curiae”, se oferecendo para apresentar voluntariamente informações ao tribunal que possam ajudar na decisão de um caso, sem estar diretamente ligada a ele.
O instituto se manifestou para atuar dessa maneira no recurso do caso de uma defensora pública, condenada em primeira instância por difamação após conceder uma entrevista criticando a letalidade policial, em 2016.
Responsável pela defesa, o advogado criminalista Guilherme Madi Rezende diz que o instituto não foi admitido, mas que mesmo assim a atuação contribui para dar visibilidade e trazer luz ao debate, ajudando a assegurar um direito fundamental previsto pela Constituição.
“São advogadas muito reconhecidas e com opiniões muito importantes no cenário jurídico. Essa respeitabilidade e experiência aliada aos argumentos que contribuem para enriquecer o debate e, consequentemente, o exercício da liberdade de expressão legítima”, diz.
*As informações são da Folha de São Paulo.