*Da Redação Dia a Dia Notícia
O presidente Jair Bolsonaro editou, nessa segunda-feira (14), dois decretos que beneficiam a atividade do garimpo em território nacional, principalmente na Amazônia. Um deles, que ganhou destaque na imprensa, cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escada (Pro-Mapa). O outro facilita a outorga de empreendimentos de mineração de pequeno porte. Os decretos geraram forte reação contrária de ambientalistas e especialistas.
O Pro-Mapa, criado com a publicação do Decreto 10.966, tem a finalidade, segundo o governo, de incentivar o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala por meio da formalização da atividade e da implementação de políticas públicas setoriais com “vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional”.
Apesar da abrangência nacional citada, a Amazônia Legal será a região prioritária para o desenvolvimento das atividades (Artigo 10).
Por mineração artesanal, segundo o decreto, entende-se as atividades regidas por outra lei, a Lei Federal 7.805/1989, que cria o regime de permissão de lavra garimpeira no país e dá permissão para o garimpo em área de até 50 hectares.
Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência da República disse que o objetivo da medida é dar “nova perspectiva de políticas públicas sobre a atividade garimpeira no Brasil”.
Para o advogado Fábio Ishisaki, coordenador jurídico da organização Política Por Inteiro, iniciativa do Instituto Talanoa, falta detalhamento no decreto.
“Essa norma, assim como outras normas, tem termos muito gerais, tanto que tem poucos artigos. Como o artigo 3º, inciso II, que fala da formalização da atividade, mas não detalha o que seria essa formalização. No artigo 5º, inciso IV, fala em priorizar ações de forma a atender situações que exijam providências especiais ou em caráter emergencial. Mas quais são essas situações?”, questionou, em entrevista a ((o))eco.
Comissão Interministerial
As diretrizes para a execução do Pro-Mape serão definidas, segundo o decreto 10.966, pela Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape), um colegiado formado pelos Ministérios de Minas Energia – responsável por sua coordenação –, Casa Civil, Cidadania, Justiça e da Segurança Pública, Meio Ambiente e Ministério da Saúde.
A Comape se reunirá, em caráter ordinário, semestralmente ou, em caráter extraordinário, mediante requerimento de um dos membros.
“É importante destacar que a mineração artesanal e em pequena escala é fonte de riqueza e renda para uma população de centenas de milhares de pessoas, logo, é fundamental que as ações de governo reconheçam as condições em que vive o pequeno minerador, o alcance de sua atividade e as necessidades primárias da sociedade circundante”, disse a Secretaria-Geral da Presidência, em nota.
Outorga simplificada
O outro decreto publicado nesta segunda-feira, o nº 10.965, muda pontos das normas que regulamentam o Código da Mineração atualmente em vigor. Uma das mudanças principais é a que determina que a Agência Nacional de Mineração (ANM) estabeleça critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga, “principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento de substâncias minerais”.
“Esse ‘principalmente’ quer dizer que não é exclusivo para empreendimento de pequeno porte ou garimpo. Existe uma simplificação geral na norma”, alerta Fábio Ishisaki.
Com base na Lei de Liberdade Econômica, o decreto também muda prazos, como o estabelecido para efetivação do registro de licenciamento minerário pela ANM. Agora, a agência tem que concluir o processo em até 60 dias, a contar da data de apresentação da licença ambiental do projeto. Caso a agência não se manifeste dentro desse prazo, acontecerá a validação tácita (automática) do pedido.
Mineração do Brasil
Bolsonaro e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, no lançamento do do “Programa Mineração e Desenvolvimento”, em setembro de 2020. Pacotão do governo para incentivar a mineração inclui a regulamentação da atividade em terras indígenas.
A área de mineração no Brasil cresceu mais de 6 vezes nos últimos 36 anos. Em 1985, eram 31 mil hectares minerados em todo país. Em 2020, o número saltou para 206 mil hectares, segundo levantamento do MapBiomas publicado em agosto de 2021. Dentro de Terras Indígenas, o crescimento da atividade foi de 495% desde 2010.
Para o deputado Rodrigo Agostinho, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara, “o decreto [10.966] estimula uma atividade clandestina, predatória e ilegal. A mineração artesanal é o novo garimpo ilegal, um passaporte para a destruição”, disse, em manifestação no Twitter.
“Não existe garimpo artesanal, mas sim garimpo predatório, com uso descontrolado de mercúrio e grandes impactos ambientais e à saúde da população de toda a Amazônia. Nos preocupa a possibilidade de liberação de garimpagem no entorno de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação, facilitando ainda mais a invasão destas áreas”, disse o Instituto Socioambiental (ISA), em nota enviada a ((o))eco.
Para o Instituto Escolhas, os dois decretos “fragilizam ainda mais o quase inexistente controle na cadeia do garimpo”. “Ao invés de estabelecer critérios mais rígidos para os controles e fiscalização, que são necessários por parte do governo federal, estimulam a atividade que hoje é uma das principais ameaças à floresta amazônica e seus povos”, diz a entidade, que pede a revogação das normas.
Atualmente, o Código de Mineração passa por escrutínio de um Grupo de Trabalho na Câmara, formado por deputados ligados ao Governo Federal. O texto base do novo código foi apresentado na Câmara dos Deputados em dezembro passado, com grandes retrocessos.