Com a disseminação da pandemia de Covid-19 no Brasil, milhares de crianças já enfrentam ameaças, privações e violações de direitos, incluindo maus-tratos, violência de gênero, exploração, exclusão social e separação de cuidadores.
Os dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) apontam que, dos mais de 159 mil registros feitos pelo Disque 100 em 2019, cerca de 55% — ou 86,8 mil — tratavam de violações contra crianças ou adolescentes. Isso representa um aumento de 14% em relação a 2018. Negligência (39%) e violências psicológica (23%), física (17%), patrimonial (8%), sexual (6%) e institucional (5%) somam, juntas, quase 100% do total das violações.
Apesar do crescimento, agora, durante a pandemia, a subnotificação é uma das preocupações das autoridades do governo, já que as crianças estão longe da escola e parte das agressões acontece no ambiente intrafamiliar.
Apenas em abril, o governo recebeu 19.663 denúncias de violência sexual contra menores. Isso representa um aumento de 47% em relação ao mesmo período no ano passado (13.404). O número é ainda menor do que o registrado no mês anterior, quando o aumento foi de 85% em relação a 2019 (11.232 registros em março de 2019 e 20.771 em março de 2020) — o governo acredita que isso não quer dizer que houve menos crimes, e sim que houve menos registro deles.
“Um dos espaços para se identificar as violações era na escola. Mas, com o confinamento, há uma preocupação muito grande, já que o agressor está em casa e a criança também. Por isso é muito importante que as crianças estejam protegidas e com o olhar da sociedade sob proteção do Estado”, afirma Victor Graça, gerente executivo da Fundação Abrinq.
Abandono de crianças e adolescentes também aumenta
Em todo o Brasil, 47 mil crianças e adolescentes vivem hoje em abrigos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “A recomendação é diminuir o número de crianças em casas de acolhimento, porém houve um aumento de casos devido às condições do isolamento social”, afirma Eduardo Tomasevicius Filho, professor da faculdade de direito da USP.
“Temos dois problemas: primeiro é no ambiente familiar, com o aumento da violência; outro é nas entidades de acolhimento, que não possuem infraestrutura.”.
O cenário para os menores se agrava com crianças pequenas em situação de rua, com alto risco de exposição e transmissão devido à superlotação em moradias precárias. Em alguns casos, elas também estão sem refeições ou água limpa, podendo sofrer efeitos imediatos e de longo prazo no crescimento, na saúde e no desenvolvimento cerebral.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), toda criança tem direito à vida, saúde, liberdade, educação, cultura e dignidade. “O primeiro passo é tentar administrar a situação para evitar que a criança seja direcionada ao abrigo. Mas medidas como programas de apadrinhamento, processos de adoções mais ágeis e retorno ao lar, em situações onde é possível, estão e deverão ser tomadas”, diz o professor.