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Água escura em Alter do Chão é resultado do aumento de desmatamento e garimpo, segundo especialistas; toxina já foi identificada no Rio Tapajós

Fotografia aérea feita em janeiro mostra águas barrentas do Tapajós em contato com o Lago Verde, em Alter do Chão, Santarém, no Pará — Foto: Getty Images via BBC

O futuro das águas cristalinas do Alter do Chão, conhecido como Caribe brasileiro, está ameaçado. No último final de semana, fotos aéreas que mostram a escuridão do Rio Tapajós, já na área do paradisíaco distrito de Santarém (PA), evidenciaram problemas que vêm sendo denunciados por ambientalistas e moradores nos últimos anos. Segundo pesquisadores, a soma do aumento do desmatamento e de garimpo no rio com o permanente problema do saneamento básico, mais as fortes chuvas do final de 2021, resultaram no cenário atual. No ano passado, em expedições do projeto Águas do Tapajós, pesquisadores identificaram, inclusive, presença de toxina nas águas do rio.

Em 2018, a Polícia Federal divulgou um laudo técnico após perícia realizada na Bacia dos Tapajós. Na época, foi destacado o “volume absurdo” de sedimentos, incluindo mercúrio e cianeto, lançados no rio através das atividades garimpeiras. Segundo o perito Gustavo Geiser, em entrevista na época, o material lançado nos 11 anos anteriores foi similar ao do rompimento da barragem de Mariana, uma média de 7 milhões de toneladas de sedimento lançados anualmente.

— A tendência é daqui a alguns anos o Tapajós não ser mais o que ele é hoje, translúcido, bonito e cheio de peixes — destacou Gustavo Geiser, em 2018.

Rio Crepori, que sofre com garimpo, desaguando no Tapajós, em setembro passado
Rio Crepori, que sofre com garimpo, desaguando no Tapajós, em setembro passado Foto: Divulgação / Erik Jennings

Agora, moradores e pesquisadores estão preocupados com a possibilidade dessa previsão já estar se concretizando. Historicamente, o Rio Tapajós sofre com as atividades de garimpo, que se concentram no alto do rio, cerca de 330 quilômetros distantes da área do baixo do rio, onde fica Alter do Chão. Devido à distância, e pelo papel da Cachoeira de São Luis, que fica no meio do caminho e represa grande parte dos sedimentos, Santarém não costumava sofrer com essa poluição. Entretanto, entre 2019 e 2021, um levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) identificou que houve um aumento de 363% de área degradada pelo garimpo na terra indígena Mundukuru , próximo a Jacareacanga, onde fica o alto do Rio Tapajós, o que confirma o aumento das atividades garimpeiras na região.

No ano passado, a doutora em ciências biológicas, Dávia Talgatti, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) identificou a presença de toxinas, em quantidade relevante, já na área de Alter do Chão. Ela integra o projeto Águas do Tapajós, em parceria com a ONG The Nature Conservancy (TNC). As toxinas são liberadas por cianobactérias, que vêm se proliferando no rio, junto com algas. Essa proliferação pode ter sido impulsionada pelo garimpo, bem como pelo despejo de esgoto.

— É normal existir cianobactéria num rio, mas não nessa quantidade e com essa frequência. A mineração pode contribuir, pois acaba liberando nutrientes que ficam no solo. Além disso, o esgoto na região não é tratado, e, ao ser despejado in natura, também contribui para essa carga de material orgânico e nutrientes — explicou Talgatti, que voltará a campo em fevereiro para nova expedição a fim de precisar a origem dessa poluição. — Temos que cortar a origem do aumento das cianobactérias. É uma questão de saúde pública, essas toxinas causam problemas neurológicos, estomacais e dermatológicos.

A pesquisadora explica que os rios amazônicos são classificados em: clara, branca e escura, em relação às suas águas. A clara, ou seja, a mais cristalina, é a classificação do Rio Tapajós, mas que agora vem se aproximando da aparência “branca”, típica do Rio Amazonas por exemplo, que já tem um tom mais achocolatado.

Foto: O caminho de sedimentos do Rio Rato até o Rio Tapajós / Divulgação / Erik Jennings

Em relação às imagens divulgadas nos últimos dias, ela diz que há três grandes conjuntos de hipóteses. O primeiro é em relação ao aumento de chuvas, que deve ter contribuído para a água ter ficado mais barrenta. O segundo é o problema do uso do solo. Aí entram questões relacionadas à urbanização descontrolada, que resulta em desmatamento, especialmente da mata ciliar do rio, e saneamento básico precário, além do garimpo. Por último, está o surgimento das cianobactérias, que também deixam a água mais escura.

— Essa mudança na coloração já vinha sendo notada há cerca de dois anos, mas agora explodiu. Alguns moradores ribeirinhas até dizem que percebem há mais tempo — afirma Talgatti, que destaca também, o problema da contaminação do mercúrio, liberado pelo garimpo, além das cianobactérias.

Integrante do Grupo de Ecologia Aquática da Universidade Federal do Pará (UFPA), o pesquisador Tommaso Giarrizzo concorda que a coloração é resultado de diversas influências.

— A região do Alter do Chão vem sofrendo bastante com desmatamento para obras urbanas, devido à sua valorização. Evidente que não se pode atribuir uma única causa, há uma sinergia de atividades antrópicas que afetam e determinam características da qualidade da água nesse trecho. Com certeza o garimpo é um problema sério, mas é um dos numerosos problemas que temos nos rios amazônicos.

O fato é que a escuridão das águas — ainda que o fenômeno ocorra em períodos de chuva — atingiu um nível inédito, segundo moradores de Santarém. Nos últimos meses, um grupo de ativistas realizou sobrevoos ao longo do Rio Tapajós a fim de fotografar o trajeto dos sedimentos. Pelas imagens, é possível ver que a água escura vem de muitos afluentes que sofrem com as atividades garimpeiras, como os rios Crepori, Rato e Jamaxim. A própria Cachoeira São Luis, que antes fazia uma barreira natural dos sedimentos, hoje não consegue mais impedir o avanço do material despejado pelo garimpo, que é rico em mercúrio, arsênico, chumbo e outros metais pesados e prejudiciais à saúde.

Coordenador do Projeto Saúde e Alegria, que presta apoio médico e social a comunidades ribeirinhas, Caetano Scannavino vive em Santarém desde a década de 80. Segundo ele, nos seus primeiros anos na cidade era possível encontrar a água escura, pois foi a época em que Itaituba, no alto do Tapajós, sucedera Serra Pelada como o grande foco de garimpo do país. Ainda assim, a água não era tão barrenta quanto hoje, diz.

— É preocupante, porque vemos o aumento absurdo de garimpo que atua fora da lei. Se de fato esse aumento estiver impactando o baixo Tapajós, certamente trará problemas para saúde e para a economia da região, porque aqui há um potencial turístico tremendo — disse Scannavino.

Segundo ele, moradores e empreendedores de turismo de Santarém vêm cobrando que as autoridades tomem medidas, ao menos para analisar a água e identificar o exato problema.

— Se não identificarmos a razão, fica mais difícil buscar uma solução. Se for decorrente de fenômeno natural, como excesso de chuva ou mudanças climáticas me preocupa ainda mais. A origem mais fácil de resolver seria o garimpo, porque interrompendo a atividade, a natureza responde.

Procurada, a prefeitura de Santarém não retornou.

*Com informações do jornal Extra

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