*BBC News
A presença de cerca de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami durante a pandemia do novo coronavírus e a frágil assistência de saúde no território ameaçam fazer com que até 40% dos indígenas que moram perto das minas ilegais se infectem com a doença.
Nesse cenário, o grupo poderia perder até 6,5% dos seus integrantes, tornando-se uma das populações mais impactadas pela covid-19 em todo o mundo.
As análises estão em um estudo produzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), que classifica os yanomami como “o povo mais vulnerável à pandemia de toda a Amazônia brasileira”.
Segundo a pesquisa, revisada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a etnia corre o risco de sofrer um “genocídio com a cumplicidade do Estado brasileiro” caso não se tomem medidas urgentes para expulsar os garimpeiros e melhorar a assistência médica às comunidades.
Até a última segunda-feira (01/06), havia 55 casos confirmados de covid-19 entre os povos yanomami e ye’kwana e três mortes, segundo a Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, que abarca pesquisadores e apoiadores dos grupos.
A primeira morte ocorreu em 19 de abril e vitimou um jovem de 15 anos.
Com área equivalente à Portugal, a Terra Indígena Yanomami abriga cerca de 27.398 membros dos povos yanomami e ye’kwana, espalhados por 331 aldeias.
O território ocupa porções do Amazonas e de Roraima e se estende por boa parte da fronteira do Brasil com a Venezuela.
Rica em depósitos de ouro, a área é alvo de garimpeiros desde pelo menos a década de 1980 — atividade que não foi suspensa nem mesmo após a demarcação da terra indígena, em 1992.
Prioridades para combater a doença
Para o engenheiro agrônomo Antonio Oviedo, pesquisador do ISA que participou do estudo, o governo deveria priorizar duas ações para impedir o avanço da covid-19 no território.
Uma seria expulsar imediatamente os garimpeiros, o que limitaria a possibilidade de novos contatos e infecções nas aldeias.
A outra seria “fazer a busca ativa de casos” no território para testar e isolar pacientes o quanto antes. Hoje, os serviços de saúde só agem quando procurados pelas comunidades.
Origem de epidemias
Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, principal organização indígena da etnia, Dario Kopenawa diz à BBC News Brasil que as comunidades estão tentando se isolar e evitando idas à cidade, mas que o trânsito de garimpeiros compromete a eficácia da estratégia.
Segundo ele, as infecções entre os yanomami ocorridas até agora têm relação com os garimpeiros.
Kopenawa afirma que, na filosofia da etnia, a cobiça humana por riquezas subterrâneas é associada ao surgimento de várias epidemias mortíferas como a covid-19. Na língua yanomami, essas doenças são conhecidas como xawara.
“Nosso criador, Omama, colocou as xawara embaixo da terra. Quando alguém fura o solo atrás de minérios, petróleo e gás, elas podem sair de lá e se espalhar entre humanos”, diz ele.
Kopenawa é filho do xamã Davi Kopenawa, presidente da Hutukara e um dos mais conhecidos líderes indígenas do Brasil.
Ele afirma que o pai está isolado em sua comunidade e, a exemplo de outros xamãs da etnia, tem trabalhado intensamente para “enfraquecer os efeitos da doença e para que ela volte ao lugar de onde saiu”.